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Fora de estrada, mas não tanto.

Atualizado: 22 de fev.

Ter um veículo off-road não lhe dá o direito de andar aonde você quiser. Mesmo que o slogan da montadora diga o contrário.

Milena Issler @hein.gata

Mar 2, 2018


A cenário é paradisíaco: uma praia de areia branca, verdes folhas de coqueiros esvoaçantes e mar azul turquesa. Você e seus amigos resolvem dar uma volta com seus veículos 4x4 pela praia. Pela beira da água é muito mais divertido. Os carros enfileirados, água espirrando para os lados, todos felizes e sorrindo para câmera, a cena é linda: — "Vamos postar no YouTube"!


O que parece uma brincadeira inocente tem causado danos ambientais cada vez mais graves. Diversos portais de notícias denunciam os casos em praias pelo Brasil, muitas delas são áreas de proteção e abrigam projetos como o Tamar, que tenta a muito custo proteger os ninhos de tartarugas marinhas. São vários os casos de ovos esmagados por veículos, buggies ou quadriciclos. É o caso da Praia do Pontal/ES, São Miguel do Gostoso/RN e Santa Isabel/SE para citar alguns. Verdadeiros absurdos, crimes ambientais.


Caso tenha curiosidade, digite 4x4 + praia no Google e veja quantos vídeos retornam. Para facilitar te digo agora: 51.700 resultados. E não é só para 4x4, as motos também causam grande impacto e, por serem menores e terem acesso a trilhas mais estreitas no meio da mata fechada, muitas vezes até encontram pessoas que estão fazendo caminhadas pelo mesmo trecho. Ou seja, além de danos ao meio ambiente, o risco de atropelar pessoas é ainda maior. Tem duas matérias que relatam bem isso: esta na região de Santa Catarina e esta em Belo Horizonte.


Outra situação que aparentemente é inocente e não causa dano nenhum é trafegar fora de caminhos demarcados. Muito comum em passeios fora de estrada, onde nem sempre existe uma estrada propriamente demarcada, andar seguindo as marcas de pneus que passaram por ali antes não é o problema. Mas não se deve sair dessas marcas e criar "novos caminhos". Além de desnecessário pode ser perigoso, pois certamente o caminho já marcado é o mais usado e provavelmente o mais seguro. Mas ainda assim há quem queira chegar aonde nenhum outro chegou, desviando e passando aonde não deveria. Muitas vezes o fazem por preguiça de caminhar ou apenas para chegar mais perto da atração principal e tirar uma selfie. Ao fazer isso, você não apenas amplia a área de trânsito e degrada o terreno, mas também acaba incentivando outros a fazerem o mesmo, e o pior, é possível que essas marcas de pneus nunca mais saiam de lá. É o caso de locais desérticos, salares ou extremamente áridos. Por vezes, nem mesmo a ação do vento ou de raríssimas (ou inexistentes) chuvas, limparão estas marcas do local. Digo limpa


Imagine como seriam estes locais se ninguém tivesse desviado do caminho? Não consegue imaginar? Vou te ajudar, compare essas imagens que fiz no Photoshop:



À esquerda, área de laguna na Bolívia com marcas de pneus no chão. À direita imagem de como seria o mesmo local sem as marcas. Provavelmente alguém pensou que cortar caminho era melhor. Mas a que custo? A vegetação pode demorar anos até crescer novamente. Fonte da imagem aqui.


Mesmo que o impacto seja pontual a capacidade de resiliência, ou seja, o quanto esse ambiente consegue reverter e voltar a sua condição de equilíbrio (pois nunca mais vai voltar ao que era original), já começa a ficar comprometida e com o tempo pode diminuir até chegar um momento que não se recupera mais. Mesmo que esses locais não recebam visitantes frequentemente, as marcas podem permanecer por anos.



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Dificilmente estas marcas pretas causadas pela borracha dos pneus sairão da rocha. O local é famoso pela prática de rockcrawling no deserto de Moab, Utah/USA. Crédito da foto aqui.



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Deserto de Wadi-Rum na Jordânia.


Esta imagem peguei em um banco de imagens, dá ilustrar bem o que estou falando quando me refiro a desertos e marcas de pneus (nem me atrevo a retocar essa no Photoshop). Mas percebe que quanto mais carros passam, mais incentiva outros a passarem? Afinal, o estrago já está feito. Só mais um não faz diferença.


E não para por aí. Não se esqueça que seu veículo sozinho já causa certo grau de poluição sonora e as vezes muita fumaça. Multiplique isso por 10, 30 ou 50 veículos. Os grupos organizados por empresas de turismo, mais preocupadas em ter lucro, nem sempre limitam a quantidade de veículos, pelo contrário, quanto mais melhor, "fica lindo na foto". Pode não fazer muita diferença ao cruzar locais isolados ou grandes cidades, mas normalmente, quando chegam a pequenos povoados, vilarejos e cidades pacatas, que justamente são valorizadas por não ter esse tipo de veículo passando por lá, o que era um passeio começa ter ares de invasão. Você que já participou de passeios, expedições 4x4 e viagens para locais como estes, já teve curiosidade de perguntar para um morador local o que ele acha da sua presença lá? Pode ser que uma ou duas vezes, grupos de jipeiros nunca incomodaram, mas ao se tornar frequente e cada vez com mais adeptos, certamente o impacto aumenta e o incomodo também.


A janela do bar, que antes era bucólico, já está lotada de adesivos de "expedições".


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Grupo "organizado" de jipeiros passeando por uma praia no nordeste.


E antes que você diga que estou acabando com toda a diversão, estou exagerando ou sou a chata do pedaço, te digo com a mais absoluta convicção: é possível fazer tudo isso e se divertir igual. Basta um mínimo de bom senso. Respeito à natureza e ao próximo.

Vou te dar um dica, que vai ajudar muito. Antes de entrar em um local, pense: que tipo de impacto posso causar as pessoas, meio ambiente e ao meu veículo? É a regra do PMV (Pessoas/Meio ambiente/Veículo). É realmente necessário passar por aqui? Tendo outra opção vá por ela. Você vai chegar no mesmo lugar, mas sem causar impacto. Pense que quando você passar por ali, nenhum novo rastro deve ficar para trás. Ao cruzar rios, lagos ou entrar no mar, além de esmagar qualquer ser vivo que esteja no fundo do piso, seu carro deixa resíduos de óleo, graxa ou até mesmo combustível. Se for fazer um passeio em grupo, seja com empresa ou com seus amigos, procure grupos pequenos e evite invadir o espaço de moradores, estacionem longe e entrem à pé, muito mais civilizado e menos invasivo. E, mesmo que todos do grupo ou da empresa insistam em fazer o errado, dê o exemplo e faça o que é certo. A única maneira de mudarmos as ações coletivas é agindo individualmente.



Para aqueles que querem se arriscar mais ou colocar à prova seus veículos, procure as organizações de jipe clubes sérias e responsáveis, muitas costumam ter áreas com obstáculos ou trilhas já demarcadas só para isso, sem riscos maiores. Eventos e encontros de marcas também constroem áreas preparadas só para você se divertir com seu brinquedo.

Se você ainda tiver paciência (e estômago), assista estes vídeos abaixo. O que mais incomoda é que as pessoas aqui envolvidas, em nenhum momento parecem estar preocupadas ou sequer entendem o impacto que estão causando. Pra não dizer crime.



O que impressiona aqui é quantidade de veículos do grupo.



Este é o melhor exemplo do que não se deve fazer. Como colocar pessoas, meio ambiente e veículo, tudo ao mesmo tempo em risco. Nenhum dos procedimentos de segurança antes de entrar no obstáculo foram efetuados.


Ao menos fico feliz em saber que grandes montadoras estão empenhadas em proteger o meio ambiente e buscam educar e orientar seu clientes com técnicas de condução off-road responsáveis que respeitam o meio ambiente. Como instrutora do Land Rover Experience, repito incansavelmente o mantra do PMV (pessoas, meio ambiente e veículo), esse é um dos lemas da empresa e uma das regras de condução que apresentamos no cursos, eu pessoalmente, reforço sempre aos meus clientes essas orientações com exemplos e histórias reais. Para finalizar, de que adianta ter bolsinha de lixo pendurada no seu câmbio com os dizeres "não jogue lixo na trilha" se você já está impactando no ambiente? Ou a capa de estepe "eu amo a natureza" se está cruzando um rio cheio de peixinhos? De que adianta termos veículos off-road se não tivermos mais natureza para onde ir?




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